O Caso A.C.M.
Há uns anos, no dia 7 de Fevereiro, um piloto de um clube de voo teve um acidente de aviação, despenhando-se. Faleceu de imediato. O seu clube e a sua federação participaram à companhia de seguros, mas esta logo tomou a posição de recusar o pagamento do capital por morte, porque nesse ano o piloto ainda não tinha renovado a licença, nem o seguro. Os diversos intervenientes no processo confirmaram a posição da companhia e parecia um caso encerrado. Mas a federação recorreu aos nossos serviços.
Analisámos o assunto, verificámos toda a história destes seguros e expusemos à seguradora o nosso parecer. Cerca de um mês depois a seguradora liquidou todas as prestações aos herdeiros do malogrado piloto, sem mais objecções.
Por uma abordagem meramente técnica, o assunto resolveu-se a contento de todos e sem grandes delongas.
O Caso M.G.C.
Um camião de 20 toneladas, depois de ter reiniciado a marcha a partir de um semáforo numa grande avenida, começou a erguer a báscula - sem que o motorista desse por tal - e foi derrubar uma ponte pedonal (uma passagem aérea que ligava os passeios dessa avenida). O derrube causou a destruição da ponte e houve um ferido grave. Ao averiguar o acidente, a empresa de peritagens contactou todas as partes e desde logo manifestou a sua intenção de relatar o acidente como de causa fortuita, porque não tinha explicação para a erecção da báscula e considerava não culposa a conduta do motorista do camião, que já circulara 20 km antes dessa avenida sem que a báscula se tivesse erguido. A figura da causa fortuita facultava, nessa altura (*), ao causador do acidente a possibilidade de liquidar aos lesados uns precisos limites na indemnização a que estava obrigado. Esses limites não chegavam para liquidar um décimo do prejuízo.
O lesado proprietário pela ponte, com o nosso apoio e a nossa pesquisa, acabou por concluir que, afinal, havia muito mais acidentes idênticos a este. Foi fácil estabelecer analogias com os outros casos, verificando-se que em todos era comum a culpa do motorista. Em todos, a elevação inesperada da báscula ficara-se a dever ao accionamento continuado da embraiagem de veículo, além de outros comandos que, por esquecimento, não tinham sido desligados. Quando o camião parou no semáforo, o terceiro comando - a embraiagem - acabou por fazer erguer a báscula. Assim, a Companhia de Seguros para que havia sido transferida a responsabilidade do acidente, perante os nossos argumentos, não perfilhou o ponto de vista dos peritos, liquidando a totalidade dos prejuízos aos lesados.
(*) Mais tarde foi publicado um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que revogou essas limitações nos seguros Automóvel, a propósito de outro caso. V. Acórdão n.º 3/2004. DR 112 SÉRIE I-A de 2004-05-13
O Caso Artes Marciais
Um praticante de artes marciais recorreu à Companhia de seguros da sua federação pedindo assistência médica para as lesões que, pela segunda vez, lhe atormentavam um ombro. A companhia recusou dar-lhe assistência porque nesse ano ainda não houvera renovação do seguro. A própria lesão tinha sido o motivo por que deixara de praticar e por que se atrasara nas formalidades de renovação. Com o nosso apoio, logo se percebeu que o que o atleta tinha eram sequelas da anterior lesão e não um novo acidente, pelo que apenas competia à seguradora reabrir o processo de sinistro e reiniciar o tratamento por esta recaída. Foi o que se fez. Tratou-se, portanto, de uma simples falha de comunicação entre a federação e a seguradora.
A terminologia dos seguros é por vezes tão técnica que, sem um interlocutor habilitado, o tomador ou o beneficiário duma apólice pode ficar a perder.
O Caso Pintas em suspensão
Há uns anos ocorreu continuadamente um estranho acontecimento: consistia no aparecimento de partículas brancas na carroçaria de mais de três mil veículos que estavam estacionados em vários bairros habitacionais que faziam fronteira com uma grande obra. Alguns proprietários desses carros organizaram-se e reclamaram ao empreiteiro e ao dono dessa obra, mas desconheciam porque é que os seus carros estavam a mudar de cor, pensando tratar-se de cimento.
Como responsáveis pelos seguros desse dono da obra, participámos o acidente à Companhia de Seguros. Nomeou-se um gabinete de peritagens independente para investigar o assunto. Os peritos cedo verificaram que as "pintas" eram gotículas de tinta branca de forma esférica que tinham migrado em estado líquido pelo ar, através de ventos fracos ou de correntes conveccionais ascendentes a partir dessa obra - onde uma vasta superfície metálica estava a ser pintada à pistola por airless. Depois de percorrerem pelo ar algumas centenas de metros ou poucos quilómetros, quando tocavam na chapa ou nos vidros dos carros, aderiam e secavam, apresentando-se como pérolas ao microscópio.
À medida que eram sistematizadas e tratadas as reclamações dos proprietários de cada veículo, muitas com orçamentos de mais de 1.000 € por carro, verificava-se que havia dias em que o grande volume de reclamações era associado a dias de bom tempo com vento fraco de um determinado quadrante. Pelo diário da obra, acabava por se verificar que nesses dias houvera trabalhos de pintura, quer no chão, quer em altura.
Concluiu-se então que tal pulverização e deposição das gotículas de tinta (epoxy e poliuretanos) ocorria devido à sua baixa densidade e massa diminuta. O processo de pintura foi então condicionado e até proibido, iniciando-se nessa altura a reparação dos mais de três mil carros. A reparação era uma novidade, desconhecida em Portugal, e fora pesquisada, desenvolvida e divulgada pelos peritos junto das oficinas que, assim, eliminavam a necessidade de pintar os carros sinistrados. Consistia na utilização de uma argila, vulgarizada por plasticina, material de grande plasticidade que era passado manualmente pelas superfícies atingidas pelas partículas de tinta nos veículos. Esta argila "agarrava e abraçava" cada gotícula pela base arrancando-a sem causar quaisquer danos nas superfícies afectadas. O carro ficava então isento de quaisquer partículas aderentes e, depois, um produto de acabamento deixava o carro num estado de restauro irrepreensível.
No fim, dos 3.289 carros cujos proprietários receberam a nossa carta, 2.722 foram sujeitos a reparação nos concessionários de cada marca. Dos quinze proprietários que apresentaram reclamação pela reparação, dez não assinaram a acta final de acordo por não se acharem satisfeitos com a reparação dos seus veículos, invocando outros danos. Assim, apenas dez não aceitaram o tipo de reparação que lhes foi preconizada.
Todo o processo foi desenvolvido entre o dono da obra, a seguradora e os peritos. Os peritos assumiram os acordos e a formação com as oficinas concessionárias de cada marca. A Seguradora reembolsou os pagamentos adiantados pelo dono da obra. No final, o custo médio da reparação por veículo foi de 136.88€ (Esc. 27.443$00) + IVA.
Não é conhecido nenhum outro processo na indústria seguradora com tão vasto rol de lesados e tão genial solução.
Ironia: alguns proprietários aceitavam a reparação preconizada pelos peritos, mas não criam nos resultados. Mesmo assim, entregavam o carro na oficina. No fim do dia, esses proprietários, para espanto dos reparadores, iam levantar o carro ao parque de viaturas, mas... não o encontravam.
Ou seja, não o reconheciam: é que o carro tinha voltado à cor, ao brilho e à limpeza originais!